LIVROS citados por ele

Ao ler os artigos e textos de Pondé, observamos que ele cita em profusão livros de outros autores, “antigos” e “atuais” (referimo-nos apenas à cronologia das obras, por isso as aspas), de várias áreas do conhecimento humano, de filosofia à sociologia e psicologia, literatura, poesia, dentre outras. Imaginamos que sua biblioteca deva ser imensa, pois a erudição que apresenta em todos os momentos e a quantidade de obras que conhece sempre nos assombra.

Por conta disso, apesar de sempre destacarmos nomes de autores e obras nos textos que publicamos aqui – colocando links relacionados quando possível, resolvemos também juntar todas as obras citadas em um único lugar, para ficar mais fácil para os leitores de Pondé uma procura por referências bibliográficas. Assim não há necessidade de reler cada artigo ou ficar “clicando em tags” para procurar por essas referências.

Para quem está interessado em conhecer um pouco mais sobre as obras que Pondé cita em seus textos, a seguir encontra-se uma lista de tudo o que conseguimos achar de referências bibliográficas em seus últimos artigos. Montamos a lista por AUTOR (não alfabética) e, quando possível, procuramos informar aonde ele as cita.

APROVEITEM!!

 

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1. Zygmunt BAUMAN

MODERNIDADE E HOLOCAUSTO

(Texto presente na orelha do livro) Embora relacionada com a sociedade moderna, a sociologia nunca chegou a um acordo sobre um dos mais clamorosos fenômenos da modernidade – o Holocausto.

Este livro – que fez jus ao Prêmio Amalfi (1989), concedido ao melhor livro de sociologia publicado na Europa – discute o que a sociologia pode nos ensinar sobre o Holocausto, concentrando-se mais particularmente, porém, nas lições que o Holocausto tem a oferecer à sociologia.

Zygmunt Bauman, sociólogo de origem polonesa, iniciou a sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde ocupou a cátedra de sociologia geral. Tendo seus trabalhos censurados, em 1968 foi afastado dessa universidade e precisou imigrar e reconstruir sua carreira nos Estados Unidos, Canadá e mais tarde na Inglaterra, onde tornou-se professor da Universidade de Leeds, em 1971 (cargo que ocupou por 20 anos). Há vários de seus livros publicados no Brasil pela editora Jorge Zahar, entre eles “Amor Líquido”, “Comunidade: a busca por segurança no mundo atual”, “Globalização: as conseqüências humanas”, “O mal-estar da pós-modernidade”, entre outros. Em 1998, Bauman recebeu o Prêmio Adorno pelo conjunto de sua obra.

Neste livro específico, Bauman ressalta como o significado do Holocausto pôde ser subestimado em nossa compreensão da modernidade: ora o Holocausto é reduzido a algo que aconteceu com os judeus – a um acontecimento exclusivo da história judaica, ora é visto como representando aspectos repulsivos da vida social que o progresso da modernidade irá gradualmente superar.

Nenhum desses pontos de vista resiste a uma análise profunda. Uma das principais contribuições deste livro é a demonstração de que o Holocausto deve ser compreendido sobretudo em sua ligação profunda com a natureza da modernidade – não sendo um acontecimento singular por um lado, nem um fenômeno associado simplesmente à barbárie por outro. Nessa perspectiva, o autor aponta diversos equívocos em nossa compreensão ordinária da sociedade moderna, suas instituições e métodos.

Não há nada comparável a este livro na literatura sociológica. Sutil, porém intenso e perturbador, causará grande impacto tanto naqueles que lidam diretamente com a disciplina da sociologia como nos interessados por um dos fenômenos mais terríveis de nosso tempo.

O Holocausto não foi simplesmente um problema judeu nem fato da hisória judaica apenas. O Holocausto nasceu e foi executado na nossa sociedade moderna e racional, em nosso alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento cultural humano, e por essa razão é um problema dessa sociedade, dessa civilização e cultura. A autocura da memória histórica que se processa na consciência da sociedade moderna é, por isso, mais do que uma indiferença ofensiva às vítimas do genocídio. É também um sinal de perigosa cegueira, potencialmente suicida. […]”

“[…] Esse exercício de explicar o crime por sua germanidade é um exercício que absolve todos os demais e, em particular, tudo o mais nele envolvido. A implicação de que os que perpetraram o Holocausto foram uma ferida ou uma doença de nossa civilização – e não seu horrendo mas legítimo produto – resulta não apenas no conforto moral da autoabsolvição, mas também na terrível ameaça do desarmamento moral e político. Tudo aconteceu ‘lá’ – em outra época, em outro país. Quanto mais culpáveis forem ‘eles’, mais seguros estaremos ‘nós’ e menos teremos que fazer para defender essa segurança. Uma vez que a atribuição de culpa for considerada equivalente à identificação das causas, a inocência e a sanidade do modo de vida de que tantos nos orgulhamos não precisam ser colocadas em dúvida.” (Bauman)

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** Pondé já citou esta obra pelo menos DUAS VEZES em seus artigos.

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2. Isaiah BERLIN

IDÉIAS POLÍTICAS NA ERA ROMÂNTICA (Seu surgimento e Influência no pensamento moderno)

A inigualável elegância da prosa ensaística de Isaiah Berlin faz de Ideias políticas na era romântica uma prazerosa viagem panorâmica pela história das ideias no Ocidente entre os séculos XVIII e XIX. Transitando de Kant a David Hume e de Auguste Comte a Fichte com erudita naturalidade, o livro reúne quatro textos originalmente concebidos para uma série de conferências sobre filosofia política em 1952.

Apesar de constituírem as primeiras formulações de temas centrais da obra de um dos maiores pensadores liberais do século XX, os ensaios esperaram até 2006 para vir à luz numa edição cuidadosamente supervisionada por Henry Hardy, fellow da Oxford University e organizador de longa data dos trabalhos do autor.

Partindo da pergunta “Por que deve o homem obedecer a outro homem ou a um grupo de homens?“, o livro aborda as intersecções e os antagonismos entre política, ciência e teologia que moldaram o pensamento do século XX. O papel-chave desempenhado por pensadores como Rousseau e Kant na trágica história dos totalitarismos de diversas extrações ideológicas é investigado com especial atenção, partindo do tratamento dispensado a palavras como liberdade e obediência, interpretadas segundo as sucessivas transformações dos conceitos de Deus, felicidade e natureza.

O uso da palavra “liberdade” é um dos indicadores mais seguros do ideal supremo de vida de quem a emprega, do que deseja e do que evita […] um dos indicadores mais precisos da posição de um homem.” (Berlin)

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** A Cia. das Letras disponibiliza alguns trechos do livro para download. O arquivo pode ser vizualidado e baixado AQUI.

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3. Agustina BESSA-LUÍS

CONTEMPLAÇÃO CARINHOSA DA ANGÚSTIA

Compilação de reflexões, conferências e comunicações que a escritora vem produzindo ao longo da sua vida literária, organizadas por Pedro Mexia. Como nos dois volumes de “Alegria do Mundo”, os seus anteriores livros de textos dispersos, o génio e a verve de Agustina Bessa-Luís em “Contemplação Carinhosa da Angústia” cativam-nos, de surpresa em surpresa. E, como diz a escritora, num inquérito ao jornal francês “Libération”, a propósito da razão porque escreve, que eles incomodem “o maior número possível de pessoas, com o máximo de inteligência“.

Como diz Pedro Mexia, “são livros de uma burguesa portuense que aprendeu tudo o que o mundo burguês tem para ensinar, mas também o que esse mundo censura como discurso explícito, o que a torna um pouco «inconveniente», mesmo se a inconveniência está escudada numa prosa em que só um burguês atento ou desiludido se demora”.

Agustina é senhora de um estilo absolutamente único, paradoxal e enigmático. Conjugando influências pós-simbolistas de autores como Raul Brandão, na construção de uma linguagem narrativa onde o intuitivo, o simbólico e uma certa sabedoria telúrica e ancestral, transmitidos numa escrita de características aforísticas, conjugam-se com referências a autores franceses como Proust e Bergson (nomeadamente no que diz respeito à estruturação espácio-temporal da obra).

Vários dos seus romances foram já adaptados ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, de quem é amiga e com quem tem trabalhado de perto. São estes: “Fanny Owen (Francisca)”, “Vale Abraão” e “As Terras do Risco (O Convento)”, além de “Party”, cujos diálogos foram igualmente escritos pela escritora.

Agustina Bessa-Luís foi distinguida com os prémios Vergílio Ferreira 2004, atribuído pela Universidade de Évora, pela sua carreira como ficcionista, e o Prémio Camões 2004, o mais alto galardão das letras em português.

Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de indignação social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque a poética precisão de um acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.” (Bessa-Luís)

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** Alguns trechos das obras de Agustina Bessa-Luís – deste e de outros livros – podem ser lidas AQUI.

*** Pondé citou esta obra em pelo menos TRÊS textos seus

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4. Edmund BURKE

REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO EM FRANÇA

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1790 e marcou o ponto de partida do grande debate sobre a Revolução Francesa. Trata-se de uma obra de importância capital, já que é uma análise desta revolução que foi sua contemporânea e, portanto, possui inestimável valor histórico. Traduzida para várias línguas, tornou-se o modelo das atitudes contra-revolucionárias na Inglaterra e em outros países da Europa. Nela, Burke ressalta o conceito de direito natural, que atribui à vida física e espiritual do homem uma grande autonomia dentro da estrutura maior da sociedade, desde que não fira a harmonia geral desta. Pode-se dizer que Burke situa-se em uma posição aristotélico-tomista, pois busca iluminar o geral com o particular, fazendo do real o racional, e do abstrato, – generalizador das idéias especulativas – uma ameaça aos valores penosamente adquiridos pela civilização através dos séculos.

As idéias de Burke transformaram-no em um teórico do Conservadorismo, que postulava o crescimento orgânico das sociedades ao invés das reformas violentas. Suas reflexões sobre a ideologia revolucionária não só orientaram, de maneira decisiva, a opinião pública da Inglaterra contra a reestruturação política francesa, como passaram a constituir, para o homem inglês, o senso comum sobre a validade do status e da hierarquia.

Por sua defesa da tradição, Burke é, às vezes, tido como reacionário (nota: da mesma forma que ocorre hoje com Pondé), por uma incompreensão generalizada em relação ao pensamento conservador. Porém, ele amava a liberdade e era à favor de muitas posturas liberais clássicas na política, religião e na economia. Nunca separou religião de liberdade, e sustentava que a liberdade só seria possível “por ser parte da ordem moral eterna e trancendental”. E aí situava-se uma de suas grandes preocupações: de que a liberdade nunca deveria ser confundida com a licenciosidade; e que uma “verdadeira liberdade” deveria sempre ser entendida como liberdade ordenada.

No campo da economia, Burke acreditava que a propriedade privada fosse o fundamento de uma ordem social justa, assim como a mola do esforço pessoal e da prosperidade nacional. Argumentava apaixonadamente contra os invasivos monopólios governamentais e a favor de um amplo acesso à aquisição da propriedade, que pensava servir como um poderoso empecilho nos abusos cometidos pelo Estado. Seguindo essa visão, a educação moral – efetuada por instituções sociais intermediárias, como a família, as igrejas, a comunidade local – só pode florescer se a  propriedade que a apoia estiver segura. Esse apoio à liberdade econômica ganhou o respeito de Adam Smith, e sua poderosa defesa da “moralidade como fonte da liberdade” granjeou à Burke a admiração de Lorde Acton, que o via como um modelo eterno de erudição humana, de religiosidade, de virtude e de ação política esclarecida.

Segundo a Enciclopédia Mirador Internacional, seu pensamento exerceu sensível influência sobreJosé da Silva Lisboa, Visconde de Cairu (1756-1835), figura marcante da vida política brasileira, que, em 1812, publicou uma tradução dos escritos do estadista inglês sob o título “Extratos das obras políticas e econômicas de Edmund Burke”.

Em todas as sociedades compostas de diferentes classes de cidadãos é necessário que algumas delas se sobreponham ás outras. Os niveladores, portanto, apenas mudam e pervertem a ordem natural das coisas; sobrecarregando o edifício social ao colocar no ar o que a solidez do edifício exige seja posto no chão.” (Burke)

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** Pondé é expecialista em “pensamento conservador” e conhece todas as obras mais importantes relacionadas a este tema.

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5. Joseph CONRAD

O CORAÇÃO DAS TREVAS

Publicado há cerca de 108 anos, esta obra é uma espécie de tratado sobre aquilo de que não se diz o nome, onde um narrador/personagem, ao navegar sobre o Tâmisa “à luz augusta das memórias duradouras”, apresenta o marinheiro Marlow, que, pelo marasmo da hora ou pelas lembranças impositivas nascidas daquela luz, começa a contar uma história, sobre algo ou alguém – Kurtz – que não deve ser esquecido.

“O horro! O horror!” Estas palavras, as últimas do tal personagem Kurtz, têm confundido e fascinado os leitores desde a primeira publicação do livro (Heart of Darkness), em 1902. Numa narrativa baseada na idéia de contraste (luz versus escuridão, branco versus negro, civilizado versus selvagem, e assim por diante) e interpenetração de opostos (p.e., sempre que aparece um elemento branco, este está cercado de negro, e vice-versa), o livro é, ao mesmo tempo, provocante e perturbador, atraindo e incomodando em doses iguais.

Józef Teodor Konrad Nalecz Korzeniowski nasceu em 1857 na Polônia (somente mais tarde viria a ser conhecido como Joseph Conrad), e tornou-se um dos maiores escritores da língua inglesa, autor do clássico “Lord Jim”, entre muitos outros. É o mesmo narrador de “Lord Jim”, Charlie Marlow, espécie de alterego de Conrad, que nos conta (por figura interposta, já que existe uma história dentro da história) sua estranha aventura. Na verdade, o próprio Conrad fez uma viagem muito semelhante à de Marlow, subindo o Rio Congo num barco a vapor.

Em “O Coração das Trevas”, Marlow faz a viagem em busca de Kurtz, um comerciante de marfim que se teria deixado influenciar demasiadamente pela magia do continente negro e sucumbido aos instintos selvagens. A história pessoal de Kurtz simboliza, sob um ponto de vista, a trajetória do europeu civilizado em contato com o primitivo continente africano. No início, ele representa toda a cultura do homem branco, sendo ao mesmo tempo poeta, músico, político, comerciante, quase como um polivalente “homem da renascença”. Ao final de sua trajetória, porém, já cometeu os mais diversos crimes contra a sociedade civil, que para ele já não faz nenhum sentido, e acaba por permitir também um “crime contra a religião cristã”, o de ser ele mesmo adorarado como um deus.

Sob outro aspecto, Marlow e Kurtz são quase como uma só pessoa, duas faces do mesmo ser separadas por um mundo de possibilidades. Marlow é o que Kurtz poderia ter sido, Kurtz é o que Marlow poderia vir a ser. Em sua viagem rio acima, enquanto Kurtz não passa de uma figura mítica sempre formulada em descrições divergentes feitas por outros personagens, Marlow afasta-se, aos poucos, física e mentalmente, do mundo dos brancos – retratado como brutal – e adentra a escuridão da selva, um possível símbolo (dentre outros) da “realidade” e da “verdade”. Esta simbologia é ambígua e, por vezes, não se sabe (nem os leitores, nem o próprio Marlow) de que lado está a virtude ou onde reside a verdadeira escuridão.

A narrativa de Conrad, longe de ser leve, é conduzida pelo tom do marinheiro que conta a sua história, dando tempo para que se respire, para que se perceba, lentamente, a crueza do relato – e a lentidão em si já é uma crueldade. O livro inspirou, muitos anos mais tarde, o roteiro do filme “Apocalipse Now“, de Francis Ford Coppola (com Marlon Brando no papel que seria um equivalente de Kurtz), e que “descreve” outra guerra, a do Vietnã (numa época diferente da do livro), mas sob o mesmo sentimento de que, então, “é assim que o mundo acaba”.

Se o filme de Coppola é explícito ao mostrar a total demência de homens que acham que estão cumprindo seu dever, em contrapartida ao delírio declarado do homem que deve ser morto (o personagem de Brando, no filme, deve ser morto porque assumiu que só a loucura é páreo para aquele horror, enquanto os outros fingem que poderão voltar para casa), a peripécia da narrativa de Conrad é ocultar essa personalidade, que só vai se delineando através de uma certo alinhavo conclusivo do contador do caso. Esse contador constrói, aos poucos, para si mesmo e para os leitores, o desconhecido Mr. Kurtz, aquele que ele não pensava em “ver”, mas “ouvir” – alguém que, apesar dos seus métodos insanos, encontra, no próprio perseguidor, um aliado.

O que tanto a trama da obra de Conrad – que só chega a ser explícita quando trata de conduzir a descida aos infernos, que é o esquecimento de si mesmo – quanto a adaptação de Coppola mostram, diz respeito à questão do “conhecimento”: do que pode ou não ser dito; da mentira sim, mas aquela que é necessária. O personagem Mr. Kurtz encarna “aquele que tem a Palavra”, que pode diferenciar, em meio à miséria, o que deve virar testemunho. Mais para frente, o narrador do romance arremata: “É claro que você pode ser tolo o bastante para se perder – estúpido demais mesmo para saber que está sendo assaltado pelos poderes das trevas“.

Ao fazer um relato de viagem, Conrad trata de questões reais, como o massacre de um povo pela exploração comercial, o aprisionamento de escravos, a política de uma Europa prepotente e, no meio disto, o homem como joguete do seu não-discernimento, sendo, ao mesmo tempo, o que come e o que é comido.

Esta obra já foi interpretada de diversas formas. Em uma possível leitura historicista, por exemplo, pode ser considerado como uma dura crítica ao colonialismo. Em uma análise psicológica, pode ser encarado como uma jornada pesadelo adentro, ou mesmo um “esbarrão” com a própria loucura, da qual Marlow escapa, mas não Kurtz. AInda, em um viés antropológico ou sociológico, o livro pode ser visto como um debate sobre o contraste entre civilização e selvageria. Ou pode ser visto como uma reflexão (moral?) sobre o bem e o mal, que parecem ser os pontos centrais da trama.

O fator psicológico do espelhamento na trama do poder está presente, mas o que se apura da leitura é que, se o século 19 ocupou-se em desvendar o que há por trás da linguagem, a maestria de Conrad é mostrar o que há por dentro da significação. Não adianta desvendar as entrelinhas, mas lê-las em conjunto. O espaço e a palavra estão trabalhando para o conjunto, não há silêncio [ou há, no que se refere àquilo que não pode ser dito]. E talvez aí o filme de Coppola tenha alcançado plenamente o sentido desta obra, pois, apesar de dar endereço certo para a “trama” (Camboja-Vietnã), também não deixa espaço para que o espectador se situe demais no que pode haver ali de real.

Conrad constantemente deixa o próprio leitor na “escuridão”: as trevas são sempre mencionadas porém nunca definidas; o horror balbuciado por Kurtz nunca chega a ser explicado. Tudo é calculado para que a aura de mistério se perpetue. Ser explícito, como o próprio Conrad escreveu anos mais tarde, “é fatal para o fascínio de qualquer obra artística, roubando a sugestividade e destruindo a ilusão”.

Entre nós havia, como eu já disse em algum momento, o laço do mar. Além de manter os nossos corações unidos apesar de extensos períodos de separação, ele tinha o efeito de nos tornar tolerantes às longas histórias – e mesmo às convicções – uns dos outros.” (narrador do livro, Conrad)

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** Alguns trechos do texto acima foram retirados tanto do site Burbirinho quanto do texto “Depois do inferno“, publicado em 08/06/2002 por Célia Cavalheiro.

*** Para ler um trecho do livro, visite a página no site da Cia. das Letras.

CURIOSIDADE: O filósofo Bertrand Russell, que veio a conhecer Joseph Conrad depois da chegada deste à Inglaterra, tinha verdeiro fascínio pela sua obra, em especial, por “O Coração das Trevas”. O grau de amizade que surgiu entre eles foi tal que Russell batizou um de seus filhos com o nome “Conrad”.

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6. Karl KRAUS

AFORISMOS

Seleção, Tradução, Glossário e Apresentação: Renato Zwick

Depois de 22 anos sem publicação no Brasil, voltam às livrarias os Aforismos, de Karl Kraus. A edição da Arquipélago Editorial tem organização e tradução de Renato Zwick, que selecionou os aforismos mais afiados que Kraus publicou em três coletâneas: Ditos e contraditos, de 1909, Pro domo et mundo, de 1912, e De noite, de 1916.

O jornalista e escritor Karl Kraus (1874-1936) foi um dos mais atuantes intelectuais da Viena do começo do século XX. É autor de peças, poemas, ensaios e, notadamente, aforismos. Boa parte de seus textos apareceram inicialmente no jornal Die Fackel, que criou em 1899 e passou a redigir sozinho a partir de 1911 até poucos meses antes de sua morte, em 1936. Personagem singular do debate intelectual europeu do começo do século XX, Kraus encontrou na brevidade e na condensação extrema dos aforismos a forma ideal de espetar seus adversários — notadamente jornalistas, políticos e figuras prestigiadas do meio cultural vienense. Exprimindo o que à primeira vista pode parecer uma generalização abusiva, o aforismos desestabiliza as certezas cotidianas condensadas em frases feitas e, à luz de seu brilho repentino, desvenda aspectos da realidade até então ignorados.

Neste volume, apresenta-se uma poderosa mostra de como podem ser cortantes esses pequenos textos – e de como Kraus, manejando a sátira, feriu seus inimigos com grande concisão. Como ele mesmo dizia: “Há escritores que já conseguem dizer em vinte páginas aquilo para o que às vezes preciso de até duas linhas.”

Alguns aforismos de Kraus:

Estou sempre sobre a forte impressão daquilo que penso de uma mulher.

A solidão seria um estado ideal se pudéssemos escolher que pessoas evitar.

O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes como ele.

Só é artista aquele que da solução pode fazer um enigma.

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11 Respostas to “LIVROS citados por ele”

  1. Caro webmaster,

    Inicialmente gostaria de parabeniza-lo pela iniciativa do Blog, está excelente… Eu procurei no seu Blog e não tenho certeza se vc tem o artigo do Pondé: “Do Humanismo Ridículo: A crítica da perfectibilidade human em pascal e lutero”. KRITERION 114, 2006. Caso não o tenha, me mande um e-mail que terei prazer em envia-lo.

    Atenciosamente,

    Hugo Marcelo

    social network cms

    • Caro Hugo,

      Agradecemos muito seu elogio. Estamos contentes com o blog, mas é uma pena que nenhum de nós tem muito tempo para dedicar a ele. Geralmente só conseguimos mexer no conteúdo às segundas e terças-feiras… Demos uma olhada no conteúdo que ainda não postamos no blog e não encontramos esse texto que vc mencionou. Ficariamos muito contentes se nos enviasse o texto!

      Desde já, muito obrigado.

      Equipe Pathfinder

  2. Tenho guardados aqui comigo centenas de colunas dele publicadas na Folha de São Paulo (infelizmente não tenho todas), todos os livros e sempre que posso frequento um curso ou outro. Pondé se transformou numa fonte inesgotável de luz e clareza na exposição de ideias e um dos melhores e mais argutos observadores do nosso tempo. A ideia do blog é muito boa e seja qual for a periodicidade, eu vou acompanhar. Parabéns!

  3. Precisa-se de senha para ler as colunas? Recebi o link, mas quando fui clicar no link para abrir o texto, o WordPress me pede senha. Eu tenho, pois mantenho um blog aqui, mas a minha senha não funcionou.

    • Qual artigo vc tentou abrir? Os primeiros tinham senhas diferentes. Somente os de agosto e setembro tem a mesma senha, que de ter sido enviado a vc por email.

      Abs, Eduardo

  4. O de hoje, dos protocolos do afeto.
    Mas não recebi senha por email.
    Pelo menos não até agora.

  5. Eu subscrevi o site hoje, 19/09. Não tive acesso às mensagens da semana passada.

    • Ok, Paulo. Vou te enviar o email, sem problemas. Deve ter ocorrido algum problema. Vc deveria ter recebido.

      Abs, Eduardo

  6. Baumman não seria o calcanhar de aquiles do Ponde. Há no pensamento de Baumman um certo marxismo, uma herança do pensamento do mesmo visto que quando autor se refere a liquido esta se referindo uma frase de Marx. O ressentimento tb leva ao conhecimento.

  7. Em algum Café Filosófico (não me lembro exatamente qual mas tenho a impressão de que foi no O diagnóstico de Zygmunt Bauman para a pós-modernidade) Pondé cita um texto chamado Cage Dwellers, e fala um pouco sobre esse texto. Alguma coisa sobre um homem que estava em casa e descobre por um buraco na parede um outro mundo e etc… Alguém sabe me dizer quem é o autor desse texto ou onde posso encontra-lo? Obrigado =)

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