A camisa do Feliciano (08.07.2013)

Ilustração: a partir de pintura original de Richard Heller (modificada e recortada)


Nesses tempos sombrios de crise, somos obrigados a falar muito e por isso sempre acabamos falando demais. Precisamos de mais clareza, mas, como dizem por aí, a democracia é o regime do barulho, e no barulho o mais fácil é gritar “palavras de ordem”, muito mais fácil para temperamentos que gozam em assembleias. Não é o meu caso, (in)felizmente.

No dia 29 de junho, aconteceu em São Paulo a Marcha para Jesus. Nela, o conhecido pastor e deputado Feliciano usava uma camisa na qual estava escrito “eu represento vocês”. Claro, de primeira, entendemos que ele quer dizer que representa os evangélicos que ali estavam. Não tenho tanta certeza: tenho amigos e conhecidos que são evangélicos e estão muito longe do que Feliciano diz representar. Não podemos jogar todos os evangélicos no mesmo “saco”.

Mas me interessa hoje outra coisa: ele diz ser representante dos conservadores no Brasil. O conceito é complexo e pouco afeito a espíritos que gostam de falar para multidões. Mas é urgente dizer que Feliciano não representa o pensamento conservador no Brasil. Vou dar um exemplo “clichê” em seguida. Antes, vamos esclarecer uma coisa.

A tradição “liberal-conservative”, como se diz comumente em inglês, se caracteriza por uma sólida literatura quase desconhecida entre nós: David Hume (sua moral), Adam Smith, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Friedrich Hayek, T.S. Eliot, Michael Oakeshott, Isaiah Berlin, Russell Kirk, Theodore Dalrymple, John Gray, Gertrude Himmelfarb, Thomas Sowell, Phyllis Schafler, Roger Scruton, entre outros.

Não é à toa que matérias como a da “Ilustrada” do domingo 30 de junho falam que a Flip (poderia ter falado de qualquer outra atividade intelectual no país) é de esquerda: quase ninguém conhece a bibliografia “liberal-conservative” entre nós, porque a esquerda mantém uma poderosa reserva de mercado na vida intelectual pública no país, inclusive tornando um inferno a vida na universidade para jovens interessados neste tipo de bibliografia.

Esta reserva de mercado intelectual e ideológica inviabiliza pesquisas e trabalhos mesmo em sala de aula. Isso faz dos jovens intelectuais interessados nessa tradição uns fantasmas invisíveis, verdadeiras almas penadas, sem corpo institucional para atuarem. Mesmos os centros financiados por bancos investem apenas na bibliografia de esquerda.

Como toda visão política, os conservadores são diferentes entre si e nem sempre convivem bem com seus pares, principalmente quando saímos do livro e vamos para política partidária. Imagine alguém de uma esquerda “islandesa” sendo obrigado a engolir Pol Pot em seu clube intelectual.

O pensamento “liberal-conservative” se caracteriza por defender a sociedade de livre mercado, a propriedade privada, a liberdade de expressão e religiosa, pluralismo moral, a democracia representativa com “corpos médios” locais atuantes, uma educação meritocrática, emancipação feminina, tributação alta para grandes heranças, desoneração da classe trabalhadora, profissionais liberais e pequenos e médios empresários, Estado mínimo necessário (inclusive porque isso diminui a corrupção), saúde eficaz para a população.

E, não esqueçamos: opção liberal quanto à vida moral, cada um faz o que quiser na vida privada contanto que respeite a lei, e esta deve levar em conta esta liberdade privada.

Simplesmente não existe opção partidária no Brasil para quem pensa dessa forma. Por exemplo, dizer que os conservadores queimam bandeiras do movimento negro é uma piada. Isso deve fazer Joaquim Nabuco tremer em seu túmulo, já que ele, conservador, foi um dos principais intelectuais e defensores da abolição da escravatura no Brasil.

E aí voltamos à camisa do Feliciano. Ele não representa os conservadores no Brasil, a começar porque é alguém que mistura religião com política.

Deixe-me esclarecer uma coisa (vou usar um tema “clichê”): sou conservador e sou contra o projeto da cura gay e a favor do casamento gay.

E aí, esquerda: vamos conversar? Vamos parar de se xingar e sentar numa távola redonda e discutir o Brasil?


Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 08.07.2013)  | Outra fonte para este artigo: AQUI


** ESTE ARTIGO É PROPRIEDADE INTELECTUAL DO AUTOR E DO JORNAL QUE O PUBLICA **

~ por Pathfinder em 11/07/2013.

3 Respostas to “A camisa do Feliciano (08.07.2013)”

  1. Eu tenho uns amigos que se dizem que esquerda que me chamam de burguês facista e conservador simplesmente pq gosto dos texto do Pondé e sou contrário as cotas.

  2. Pondé é o cara! o que não quer dizer que concordo com tudo o que ele diz,mais em sua maioria eu concordo.

  3. Estamos vivendo em pleno fascismo. Que eu saiba, Marco Feliciano é acusado de expressar opiniões que os ativistas gays consideram homofóbicas, e que os ativistas afrodescendentes consideram racistas.

    Se Marco Feliciano expressa essas opiniões isso é um direito dele. Pondé expressa recorrentemente a sua aversão à Igreja Católica, aos direitos sociais, às ações afirmativas como cotas e supostamente se opõe ao feminismo. Se Marco Feliciano não pode expressar suas opiniões, por que razão Pondé pode expressar as suas? Estamos ou não em uma democracia liberal?

    É neste ponto que vemos como os liberais se alinham com os revolucionários mais à esquerda. Como Marco Feliciano expressa uma opinião contrária à da maioria militante, os liberais logo se arvoram em defensores da democracia, sendo intolerantes com aqueles que se dizem portadores da verdade.

    Marco Feliciano pode não representar alguns brasileiros, mas ele representa aqueles pelos quais foi eleito. Pondé não representa ninguém, mas, como é um homem da moda, segue com a manada para silenciar aqueles que não merecem nem o direito à liberdade de expressão.

    Que mundo liberal o nosso!

    Abraxas

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