Amando uma mulher inteligente (11.02.2013)


Mads Mikkelsen (esquerda), Alicia Vikander (centro) e Mikkel Boe Følsgaard (direita)

Hoje é Carnaval. Carnaval é um saco. Morei muitos anos na Bahia, falo de cátedra. Não existe festa mais autoritária do que o Carnaval e a devastação que causa em nome de sua alegria barulhenta. Mas gosto não se discute, lamenta-se. Por isso, hoje vou falar de coisa mais séria; vou falar de amor romântico e de um filme maravilhoso para quem gosta do tema e também de filosofia: “O Amante da Rainha“, filme dinamarquês dirigido por Nikolaj Arcel, com Mads Mikkelsen (o amante) e Alicia Vikander (a rainha) no elenco.

Você acredita no amor romântico? Dito assim parece uma pergunta idiota. Alguns dirão que pessoas maduras sabem que o amor não existe. Outros, que é diferente de paixão, sendo esta passageira, enquanto o amor seria algo mais sólido, dado a parcerias de longa duração.

Nada mais pernicioso para um casamento de longa duração do que a expectativa de amor romântico depois de um certo número de anos, diriam os “maduros”. Expectativas assim seriam “coisa de mulher”, o que também é uma besteira. Homens sonham com momentos de paixão com suas mulheres no dia a dia. “Ter uma mulher” significa exatamente isso.

Supor que os homens são animais de cerveja, futebol e sexo é não entender nada sobre os homens. Pensar que os homens só pensam em cerveja, futebol e sexo é a mesma coisa que pensar que mulher é um ser menos inteligente. A suposta simplicidade masculina é tão falsa quanto a também suposta irracionalidade feminina.

O tema encanta, apesar de alguns teóricos afirmarem que o amor é uma mera invenção da literatura europeia medieval (como o Papai Noel), universalizada, de modo equivocado, pelos autores românticos dos séculos 19 e 20. Digo “equivocada” porque, para os medievais, nem todo mundo seria capaz de viver ou suportar tal forma de amor avassalador. Já para os românticos, modernos, todo mundo poderia viver essa forma de encantadora doença da alma.

Eu não acredito que o amor romântico seja uma invenção da literatura, mas concordo com os medievais: muita gente passa pela vida sem experimentá-lo. Uma pena, pobres miseráveis…

A narrativa medieval descreve essa “maladie de la pensée” (doença do pensamento, do espírito), dito no original provençal (um tipo de francês comum na Idade Média), como um modo de obsessão que arrasta o homem e a mulher, fazendo com que fiquem presos no desejo de estar um com o outro e atormentados quando não podem se encontrar, quando não podem se tocar. Segundo os medievais, ele ficará horas imaginando o que ela estaria fazendo, pensando, sonhando, com o desejo de penetrar em todos os segredos de sua alma e de seu corpo (“Tratado do Amor Cortês“, de André Capelão, publicado pela editora Martins Fontes).

A estrutura ideal supõe o amor impossível, no qual a morte espera os dois ou um dos dois –e a desgraça do que sobrevive. Quando o amante é amigo fiel do marido dela, a estrutura dramática encontra seu modo mais perfeito de impasse.

Dirão os especialistas que o amor romântico cantado nos séculos 18 e 19 fala da destruição de qualquer forma de vida que não a interesseira, típica da burguesia e sua alma de “merceeiro”, como diria Marx.

“O Amante da Rainha” tem exatamente essa estrutura. O amante é médico e confidente do rei e se apaixonará enlouquecidamente, e será correspondido, pela rainha. Esse médico, chamado de “o alemão” pelos dinamarqueses (o personagem é alemão), é um iluminista (leitor de Rousseau e Voltaire) que crê na superação da barbárie pelo uso da razão e da ciência. Ela também.

O amor dos heróis não é apenas construído a partir de “sentimentos” mas, também, do encontro entre suas almas inquietas com o mundo a sua volta. Ambos são filósofos de uma época em que a filosofia se revoltou com a estupidez do mundo (o filme se passa na segunda metade do século 18). Aliás, a filosofia sempre se revoltará, porque o mundo será sempre estúpido.

Além de belas pernas e belos seios, a delícia de partilhar inquietações filosóficas com uma mulher que amamos pode ser uma das maiores formas de amor romântico que existe. Infeliz aquele que não sabe disso.


Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 11.02.2012) | Outra fonte para este artigo: AQUI



** ESTE ARTIGO É PROPRIEDADE INTELECTUAL DO AUTOR E DO JORNAL QUE O PUBLICA **

~ por Pathfinder em 11/02/2013.

3 Respostas to “Amando uma mulher inteligente (11.02.2013)”

  1. Não sou muito de me ater em ideais de amor romântico ou de outro tipo amor (por falar nisso, quais são os outros tipos de amores?) , parto do referencial do mito de Eros que a psicanálise capturou: o amor divinificado em desejo, sensualidade, uma espécie de cativeiro da libido. Dele há várias vestimentas: há aqueles que vão ao ato, outro que rezam, outros que leem. Muitos o romantizam, outros teorizam o amor de forma insípidas. Sugiro uma nova modalidade de amor: o Amor Acadêmico (tão ilusório quanto o romântico)
    Gosto não se discute: Incrivelmente gosto de Carnaval, como uma festa que vem de uma tradição milenar, herdeira da “dionisíacas'” e aglutinada à Idade Média. o Carnaval reedita os nossos desejos paradoxais de forma grosseira, os mesmos paradoxos que no dia-a-dia é bem mais sutil, e que se vestem no bem comportado discuso “politicamente correto”. Praticar discurso politicamente correto no carnaval, como pretendem algumas organizações, é submete-lo a sua extinção: carnaval é uma festa dos incorrigíveis e da errância… uma ilusão necessária.
    Carnaval da Bahia, em sua maioria , é Carnaval fora de época, ou seja um show como outro qualquer onde tudo é bem “organizadinho”. pouco tem haver com o carnaval do calendário lunar

  2. Oi, Pondé!

    Gostei da sugestão de um(a) de seus (suas) leitores (as) que levanta o Amor Acadêmico (creio que foi uma mulher). É um dos mais experimentados pelos que gostam de estudar, não? Sua cara boa no Jornal na semana passada e seu último parágrafo no texto me fazem pensar que vc está amando. E digo isso por causa do artigo indefinido “uma mulher que amamos”.� Mas está te fazendo muito bem. É claro que meu elogio segue com uma ponta de ciúmes. Sou ciumenta, você sabe. Mas, troca de óculos?

    Beijos, Sheila Nunes

    Além de belas pernas e belos seios, a delícia de partilhar inquietações filosóficas com uma mulher que amamos pode ser uma das maiores formas de amor romântico que existe. Infeliz aquele que não sabe disso.

  3. Isso é a visão de um homem inteligente. Então…cadê? Cadê?

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